HISTÓRIA DA PETECA

INÍCIO

O objeto que hoje conhecemos como peteca vem sendo utilizado por vários
povos habitantes da América do Sul e Central. Relatos e evidências materiais
indicam a prática disseminada, mesmo antes do desembarque dos
colonizadores portugueses no Brasil pela costa atlântica, no início do século
XVI, tendo como referência o ano de 1500.
As raízes indígenas da peteca indicam a prática disseminada de diferentes
formas pelos povos da América. Existem registros nas regiões onde hoje se
localizam o Brasil, o Peru e a Argentina, além do México. O jogo ou
brincadeira de peteca tomava forma de acordo com culturas específicas,
adotando assim usos distintos.
A peteca era constituída de fibras naturais, com destaque para as cascas de
bananeira (embira) e palhas de milho. Tradicionalmente, algumas petecas não
apresentam penas, com enchimentos e envoltórios de palha. Outras,
compostas também com penas grandes e coloridas, deram origem à peteca
que conhecemos hoje em sua forma esportiva.

Vale salientar que os povos de língua Tupi adotaram o termo Pe´teka que significa “bater com a palma da mão”. Dessa forma, a peteca era jogada sem regras rígidas, sem espaços delimitados, tendo como objetivo mantê-la no ar por mais tempo possível. Fontes indicam que era jogada em círculos favorecendo a integração entre os participantes.

A peteca também faz parte do vocabulário dos povos indígenas Bororos como paopaó; entre os Parintins é conhecida como jitahy´gi; os Guaranis jogam a mangá; os povos Xavantes a nomeiam de Tobda´é e os Kaingangs a chamam de ñaña ou ñagna. As formas de jogo são características de cada cultura conferindo também aspectos de brincadeiras de ataque e defesa.

A introdução da peteca, inicialmente em pequenas comunidades e povoados, fez crescer o interesse pela prática da brincadeira desde a confecção do brinquedo até a sua forma de jogo. A peteca deixou de ser um mero objeto para se tornar um brinquedo popularmente apreciado, fonte de cultura, memória e identidade daqueles que brincavam. A Curiosidade do objeto, a experimentação da prática e as emoções geradas pelas situações lúdicas a tornaram muito apreciada em ruas, praças e parques pelo Brasil. A brincadeira, ainda hoje, tem como objetivo principal não deixar a peteca cair ou rebatê-la o mais alto possível. Daí surgiu a frase popular, referência sobre a atitude de resistência ou resiliência “não deixe a peteca cair”, adotada com vários sentidos, inclusive em meios corporativos.

A esportivização da Peteca brasileira

A Revista Educação Physica de 1937, serve de referência ao afirmar o início da esportivização da peteca, ao ser praticada pelos nadadores brasileiros durante a Olimpíada de Antuérpia (Bélgica), em 1920. A peteca foi utilizada por esses atletas brasileiros nos momentos de lazer entre as competições. O fato despertou a curiosidade dos ocupantes estrangeiros da “Villa dos Athletas”, que perguntaram sobre as regras, ainda inexistentes à época. O Dr. José Maria Castello Branco, chefe da delegação brasileira, ao regressar ao Brasil, elaborou as primeiras regras, cumprindo o compromisso de enviá-las aos colegas europeus. Vale lembrar que essa edição dos Jogos Olímpicos teve duração aproximada de três meses. Inicialmente, o campo de jogo associava os campos de tênis e de voleibol, resultando num extenso espaço de 43m x 10m dividido em dois campos. Não havia uma rede, mas duas redes de um metro de altura, distantes três metros uma da outra para separar os campos. A peteca era jogada por cinco pessoas de cada lado. As complicadas regras não favoreceram a sobrevivência do esporte por muito tempo e logo sofreu reformulações.


O esporte de saque, rebatidas, ataque e defesa teve suas regras modificadas na década de 1930 com a redução do campo para 18m x 9m, apenas uma rede e até seis praticantes de cada lado, em clara aproximação com no voleibol iniciado no final do século anterior. Neste período adotou o nome de Peteca de Salão. Registros apontam a prática paulista do Petecão. Tendo o Sport Club Corinthians Paulista como precursor da modalidade, jogava-se com duas redes de 3,43m de altura, separadas por um metro e quatro jogadores de cada lado. Como o voleibol, eram possíveis os três toques por equipe e não havia obrigatoriedade de rodízio. Levada do Brasil para a Europa em 1936, por um professor de educação física alemão recebeu o nome de Indiaca, incorporando outras modificações de regra a partir da sua introdução na Alemanha. Este esporte é praticado na Europa e em outras partes do mundo com regras bem próximas ao Voleibol. A peteca feita de palha já não suportava tantas rebatidas e impactos enérgicos, se desfazendo com facilidade. Assim, a base circular da peteca brasileira passou a ser composta por um enchimento macio e pelica costurada, contando com penas naturais em sua confecção. Os anos de 1940 deram forma ao esporte que conhecemos hoje fazendo surgir a quadra de peteca de 15m x 7,5m, dimensões atuais da modalidade.

Tudo aconteceu pela prática dos atletas de remo do Iate Golf Clube. Este clube foi projetado pela mente arquiteta vanguardista de Oscar Niemeyer, às margens da Lagoa da Pampulha, Belo Horizonte. No anos de 1950, outros clubes tiveram importante papel na difusão do esporte, no crescimento do número de praticantes e na realização de intercâmbios por meio da promoção de eventos, entre eles o Minas Tênis Clube, Country Club, Quinze Veranistas, Jaraguá Country Club, Cruzeiro Esporte Clube e a Associação Cristã de Moços. A peteca não ficou restrita aos clubes. Popularizou-se, ocupando ruas, quadras, praças, praticada onde fosse possível bastando colocar uma rede ou estender uma corda presa em postes ou árvores e marcar o “chão da quadra”. Nesse processo, a Peteca distanciou-se da prática original de jogo de “não deixar a peteca cair”, configurando-se como esporte de “fazer a peteca cair” no campo adversário. A brincadeira deu lugar à competição, à confrontação e à luta pela vitória. A peteca esportiva ganhou espaço nos anos seguintes em direção às cidades do interior de Minas Gerais e outros estados, como manifestação lúdica, admitindo adaptações, reformulações de regras e formas variadas de prática.

A consolidação da Peteca brasileira

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Em meados de 1970, o jogo da peteca encontrava-se ainda em processo de esportivização e suas regras oficiais não estavam de fato instituídas. A Federação de Clubes do Estado de Minas Gerais (FECEMG) deu os primeiros passos para a regulamentação definitiva da modalidade em 1974. Esse movimento deu força à criação da Federação Mineira de Peteca (FEMPE) em 14 de junho de 1975. Essa data oficializada pela Câmara de Vereadores de Belo Horizonte é comemorada no segundo sábado do mês de junho como o Dia da Peteca brasileira. O primeiro presidente da FEMPE, Outorgantino Magalhães Dias (Tote) teve papel decisivo no fortalecimento da modalidade como esporte genuinamente brasileiro. Vale destacar a publicação em 1975 do primeiro livro da modalidade intitulado “Peteca: esporte ou recreação?” de autoria de Cícero Cerqueira Pereira Júnior, Cicinho.

Em 1977, o Conselho Nacional de Desportos (CND), por meio do Decreto n. 80.228, considera a peteca uma atividade física genuinamente brasileira. A oficialização como esporte só aconteceu oito anos mais tarde, em 27 de agosto de 1985, pela deliberação 15/85. Além da prática no interior de Minas, a Peteca expandiu-se por meio da construção de quadras em áreas de lazer em prédios e condomínios da cidade de Belo Horizonte – naquele período, em expressivo crescimento – como sinônimo de status social. A indústria imobiliária foi impulsionada pela difusão do esporte favorecendo-se da construção de quadras, intensificada nas décadas de 1980 e 1990. O aumento do número de quadras e de praticantes despertou o interesse de grandes empresas em patrocinar eventos de participação com vistas aos clientes consumidores em potencial. Diversos eventos foram realizados com numerosa participação popular, alguns deles contribuíram para sua projeção contando com até cinco mil participantes.

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A Federação Paulista de Peteca (FEPAPE), fundada em 1985, contou com quatro clubes fundadores: Sport Club Corinthians Paulista, Clube Paineiras do Morumby, Esporte Clube Sírio e Flamengo Futebol Clube de Americana. Vale lembrar que a primeira quadra cimentada de peteca no Corinthians data de 1975.O primeiro Campeonato Brasileiro de Peteca aconteceu no Pampulha Iate Clube (PIC), em Belo Horizonte, em 1987, com a participação de quatro Federações do esporte: Distrito Federal, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Destaque para a participação de 136 atletas em oito categorias. Desde então, cresceu o número de praticantes e de competições. Uma nova geração de “petequeiros” – aqueles que têm o hábito de jogar peteca – muitos deles incentivados pelos pais, fez com que a técnica fosse refinando, encaminhando-se para o nível competitivo.

Da mesma forma, a participação popular constitui a base da prática em locais públicos, escolas e clubes, sendo tão importante quanto à prática competitiva com técnicas e táticas diferenciadas sob as regras oficiais da modalidade. Vale lembrar que a Peteca é um esporte de criação nacional amparado pela Lei 9.615, de 24 de março de 1998, do Governo Brasileiro, que considera o desporto, Capítulo II, artigo 2º, como direito individual baseado em importantes princípios, sendo eles: princípio da identidade nacional, refletido na proteção e incentivo às manifestações esportivas de criação nacional (parágrafo VII); princípio da educação, voltado para o desenvolvimento integral do homem, como ser autônomo e participante, e fomentado por meio de prioridade dos recursos públicos ao desporto educacional (parágrafo VIII). A década de 1990 foi especialmente importante para a consolidação do esporte com a realização do 1º campeonato Brasileiro Interclubes de Seleções Estaduais em 1991 e de várias Copas patrocinadas pela iniciativa privada.

A peteca passou a fazer parte do programa dos Jogos Universitários Brasileiros (JUBs), em 1996, realizado em Florianópolis-SC. O intercâmbio entre “petequeiros” avançou em 1997 com a Liga Brasileira de Peteca. Foram quatro sedes: Belo Horizonte, Brasília, Goiânia e São Paulo. Tantos esforços e iniciativas culminaram com a criação da Confederação Brasileira de Peteca (CBP) no ano 2000.

A CBP conta hoje com as federações estaduais do Distrito Federal, Goiás, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Rondônia, Santa Catarina, São Paulo e Tocantins. Outras federações estão em processo de filiação. A peteca rompeu fronteiras e é praticada em países como França, Espanha, Itália, Portugal, Alemanha, Inglaterra, Canadá, Colômbia, Bolívia, EUA e Líbano.

Autor: Renato Machado dos Santos (Junho de 2020) Contatos: petecaminas@hotmail.com.br